#01 Recomendado - O Homem ao Lado (2009)

Drama - 2009

Mariano Cohn e Gastón Duprat (Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto - 2011)

A Causa

Filmes com um teor de estudo social têm aprendido a balancear seu público com uma narrativa suficientemente atrativa. Não é diferente com "O Homem ao Lado" de Mariano Cohn e Gastón Duprat, embora, outros tenham feito ainda melhor um enredo mais atrativo mesmo para quem não se aprofunda tanto na trama, como é o caso, inclusive, do brasileiro "O Som ao Redor".

Há outros pontos entre o filme brasileiro e o hermano "O Homem ao Lado"  que podem ser convergentes. Inicialmente a cena de uma perturbação por um confronto de privacidade com um vizinho já demarca uma temática semelhante. No filme argentino, porém, a convivência entre vizinhos se torna o foco, enquanto o filme pernambucano envereda por diversos outros assuntos.

Logo de cara, portanto, temos a problemática e a necessidade de ver o protagonista superá-la, mas aos poucos esse obstáculo vai dando lugar a mera tensão entre o "problema" e o personagem que quer vencê-lo. No caso, Leonardo vê a parede de sua casa, única na América Latina projetada por um grande arquiteto, ser derrubada para a construção de uma janela de um vizinho.

A Tensão

Tem-se um artista moderno e europeizado como Leonardo e um amador, porém confiante, Victor com sua vagina feita de restos de armas de fogo e pintada de vermelho que simboliza toda a divergência entre os dois protagonistas. Intelectual contra popular.

Gradualmente vamos mudando de opinião a respeito de Leonardo e ganhando um pouco do afeto de Victor, principalmente nas cenas em que ele parece passar mais tempo divertindo a filha de Leonardo que o próprio, seja lá qual o interesse dele. Nunca, porém, tomamos partido tão claramente de quem possui a razão: Victor, abrindo uma janela que dá de frente para um dos cômodos de Leonardo, ou este último que, arrogante e egocêntrico escolheu a casa mais famosa da cidade para buscar "privacidade", e ao mesmo tempo que pede respeito, dá em cima de uma aluna quando sua mulher está fora.

Aliás, as atitudes que revelam o que Leonardo realmente é se dão quando Victor não está presente, ou seria o contrário? Quando Victor o assusta com sua aparência Leonardo torna-se o que realmente é? Ou o verdadeiro eu dele aparece quando descreve as atitudes de Victor de forma cômica para seus alunos e esposa, quase como se não sentisse medo do que Victor é capaz de fazer? Vemos Victor sempre diretamente, mas Leonardo se esconde no escuro do seu quarto, na cama, com a esposa, para falar dos outros, e em alguns momentos, apaga e acende a luz para cada coisa que irá dizer. O filme nos encaminha para isso até o seu último momento, que aliás é muito interessante.

Relação Patrão - Empregado

Outra temática encontrada no filme "O Som ao Redor". Os dois filmes parecem convergir para o exemplo da camisa da empregada e o tratamento carinhoso/hipócrita que se tem para com ela. Em "O Som ao Redor" a, se não me engano, empregada Maria tem uma camisa das olimpíadas de inverno e seus filhos deitam-se no sofá do patrão sem problemas, enquanto no filme argentino a faxineira usa uma camisa da banda Kiss e compartilha do chimarrão da patroa.

O Homem ao Lado (2009)

O Som ao Redor (2012)

Direção de Arte

Os filmes deste tipo no Brasil e na América Latina tendem a serem gravados em locação com atores pouco conhecidos como na época do neo-realismo de Rosselini. Se houver grande preocupação com a direção de arte terão de adaptar os cenários reais (fora de um estúdio) para valorizar as cores na tela ou a própria fotografia teria de suprir estas necessidades.

Em O Homem ao Lado a casa projetada pelo arquiteto modernista Le Corbusier viabiliza esse processo, nos dando cenas muito belas em sua composição de elementos. Obviamente, que, como muitas cenas se passam no interior da casa é possível ainda montar um cenário belo e moderno, de acordo com a personalidade do personagem de Leonardo, seja no quadro rosa de Che Guevara, ou nas cadeiras modernas da casa do vizinho de Victor.

O Fim [Contém revelações da trama]

O final não nos revela nada, mas o ponto interessante está em mostrar que ele, Leo, pensou, em algum momento, em deixar Victor morrer após levar um tiro de um assaltante que tentou roubar a casa única de Leonardo. Não sabemos se o fato se concretizou, o que sabemos é que a janela foi fechada, e que o pensamento de ter isto resolvido sem manchar suas mãos passou pela cabeça do moderno, culto e multilíngue Leonardo.

A que ponto a privacidade é realmente o maior dos problemas de uma classe social que expõe sua vida de diversas maneiras, mas não aceita uma janela a mais voltada para sua sala de estar? E a que ponto vai o afeto real por relações entre classes sociais diferentes num mundo em que muitos justificam suas incompatibilidades com outras pessoas por motivos diferentes que o simples fato de pertencerem a camadas diferentes na sociedade?