#31b Opinião: O Som ao Redor





Notícias sobre o filme: O SOM AO REDOR É INDICADO AO OSCAR.




Drama - 05 de Janeiro de 2013
 
Kleber Mendonça Filho (Recife Frio)



"Pintaram por cima do nosso passado
mas não tiraram os adesivos da parede primeiro."









Kléber Mendonça Filho já demonstra em "Recife Frio" (curta interessantíssimo sobre a influência do clima na cultura da capital pernambucana) uma reaparição de costumes antigos ao povo colonizado e colonizador dessa nação muito nova em que vivemos.

A adaptação ao moderno sistema de vida metropolitano é exercida em cada geração nova de brasileiros e o passado colonial vai sendo enterrado gradativamente. No longa de Mendonça vemos a escavação desses tempos de engenhos, utilizando o tema da vingança como pá.

O longa nos mostra a vida de alguns personagens numa rua de classe média no bairro nobre de Boa Viagem no Recife. Seja na busca pelo silêncio de um cão, na disputa com uma vizinha, ou na busca do prazer em eletrodomésticos (às vezes ao pé da letra), vemos uma dona de casa e sua vida solitária enquanto o marido está fora e os filhos se abrigam nos quartos, ou estão ausentes devido aos cursos de inglês e mandarim.

OS CURTAS

Em outro ramo dessa verdadeira crônica brasileira um homem apaixonado ignora "com educação" a condição social de empregados. A cena em que as filhas (ou eram netas?) da empregada são tratadas com o carinho de um pai pelo "protagonista" relembram o momento em "Recife Frio" em que se compara as dependências de apartamentos a mini-senzalas na planta baixa dos edifícios brasileiros.

Esse mesmo "update" de conceito é realizado em "O Som ao Redor" remetendo às senhoras de engenho que tratavam melhor as escravas da casa-grande; e ainda com direito a uma aparição fantasmagórica e enigmática de um garoto negro vestido como um escravo fugido da senzala em cenas de suspense.

No filme de 2012 Kléber Mendonça ainda insere a comicidade baseada na ironia de Recife Frio e muitas das cenas e ambientes remetem ao seu outro curta "Eletrodoméstica": Os planos de corredores de quartos das casas, os eletrodomésticos trazendo o prazer denotativo e conotativo à dona de casa, um casal de jovens aos amassos contra o muro, um garoto tentando pegar uma bola que ficou presa em outro muro visualizado de cima para baixo revelando pedreiros em serviço do outro lado são muitos dos exemplos cênicos que foram aproveitados pelo diretor em O Som ao Redor.

Mais interessante é comparar um fator que percebi durante o filme. Em Eletrodoméstica o curta gravado em 2004 tinha um roteiro de 1994, ainda bastante atual, mas eu quero chegar ao fato da existência de alguns detalhes temporais como o uso e a menção dos cd-players nos carros (hoje substituídos pelos pen-drives) e brincadeiras infantis também remetentes a períodos anteriores como jogar bola na rua ou usar um bambolê. Obviamente não excluo a possibilidade dessas brincadeiras e equipamentos nos dias atuais, pois ainda ocorrem. Mas quero apontar que são esses que Mendonça prefere retratar em seu longa).

O SENHOR DE ENGENHO

Por fim ainda existe o personagem que atualiza as versões do colonialismo feudal brasileiro para uma mais recente e urbana com latifúndios no interior e grande quantidades de imóveis na cidade: Seu Francisco não teme tubarões ou assaltantes. Essa sensação de onipotência é posta à prova pouco antes do final do longa, quando os zoons angustiantes na filmagem anunciam a chegada do irmão de um dos seguranças misteriosos, anunciam a vingança do passado sobre o presente.

Como diria o segurança caolho apelidado de Lampião numa das cenas mais angustiantes do filme: o cangaceiro morreu, mas levou muitos com ele.

O SOM AO REDOR

O título não é só uma relação dos sons com o tempo, não apenas nos demonstra os sons que não ouvimos como na cena em que o casal brinca na antiga casa de tortura de escravos ao som de gritos tenebrosos ou quando se banham numa cachoeira rubra de sangue, mas na técnica fílmica de utilizar os sons reais da cidade como trilha e não efeitos sonoros de pós-produção, valorizando o som na própria trama.

Como vemos na 145ª edição da revista Continente, Mendonça afirma que o uso dos efeitos sonoros como mero preenchimento dos espaços vazios no áudio de um longa é um desperdício; Ainda segundo o diretor, o som não respeita os limites que vizinhos impõe uns aos outros com muros e portões.

Nicholas Hallet e Simone Dourado "assinam a captação de som" descrita em detalhes por Kléber no roteiro do "thriller psicológico" com pé no "western urbano"* brasileiro mais comentado no mundo no final do ano passado e até agora.

*Citações do texto de André Dib na revista Continente.

Links:

Teaser de O Som ao Redor + Curta Recife Frio completo
Curta Eletrodoméstica completo

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